quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

II - About Lusitania

Filipe Rocha da Silva

Seminário sobre LUSITANIA,
publicação periódica fundada e editada por Martim Avillez.
Universidade de Évora
8 de Janeiro de 2008

Lusitania é um caso de Estudo ímpar na cultura portuguesa.

Fundada por Martim Avillez em 1988 publicou o seu mais recente número (“Beyond Form”) em 2004.

Durante esse período de tempo saíram vários números, inicialmente associados às estações do ano, como: Lusitania, A journal of Reflection & Oceanography (1988), Melancholia, (1988), Kultura (1989), Abject América, For Za Sarajevo(1993), Vulvamorphia (1994), Being Online, Net Subjectivity (1996), Taste Nostalgia (1997),  “Os 23” (2001), “Beyond Form” (2004).

Normalmente, Martim Avillez convidava para a cada número e de acordo com o tema escolhido um Redactor Principal ou Editor Convidado especializados, como Allen S. Weiss, Alan Sondheim, Lillian Lennox, Ammiel Alcalay, Catherine Liu, surgindo nos últimos tempos Saul Ostrow como redactor Associado.

Esta revista, olimpicamente ignorada em Portugal, é notável nos seguintes aspectos todos eles aparentemente independentes mas interligados, num milagroso cocktail cultural.

1.
É uma manifestação da emigração e diáspora portuguesa, exibindo um portuguesismo contraditório, relação de amor – ódio pelo torrão natal, evocativo da atitude de outros emigrantes intelectuais portugueses, como Jorge de Sena. Fernando Pessoa ( A Mensagem), Alexandre O’Neil e Eduardo Lourenço, podem também ser recordados como influências culturais. A revista “O Tempo e o Modo” e António Alçada Batista podem ter sido também determinantes para o conceito de Lusitania.

O título da publicação é o nome do transatlântico das linhas Cunard torpedeado por um submarino alemão em 1915.  O logótipo com o navio a afundar-se pode ser uma alegoria ao fim do império colonial português (o autor foi ex-combatente na Guiné). As designações de vários dos números são também em português e os textos são na maioria dos casos bilingues. Lusitânia é assim um testemunho vivo da impossibilidade eventualmente involuntária de  deixar de ser português, mas também um notável exercício de vontade, uma heroicidade cultural perpetrada por quem, sozinho, na capital da civilização na segunda metade do séc XX, demonstra “lá fora”que “um português é tão bom ou melhor do que os outros”.

Num dos últimos números, “OS 23”, talvez o mais autobiográfico, Martim Avillez assume plenamente na sua qualidade de artista e autor de Banda Desenhada e relata a saga de um grupo de judeus portugueses, que deixaram o Brasil no século XVII para formarem em Nova Iorque a primeira comunidade judaica.

2.
Lusitania revela também um universalismo global e absoluto e multicultural. Martim Avillez manteve um contacto estreito e vivíssimo com o pulsar da a cidade de Nova Iorque e a alternância de todas as ideias e formas que caracterizavam o fim do século, na então a cidade das cidades. Sendo uma revista americana (em Abject América está também patente relação de amor - ódio), imersa nas correntes e preocupações mais actuais do momento em que era publicada, como Nova Iorque, Lusitania ia aos quatro cantos do mundo, não hesitando, como Susan Sontag, em partir para Sarajevo ou manter presença da cultura e filosofia francófonas.

3.
Lusitânia é um registo do who’s who na principal capital das artes e da boémia nos finais do século XX. Passando sobre ela os olhos temos a noção dos tumultuosos tempos em que as ideias e as formas se entrechocavam, surpreendendo-nos sempre mas nunca definitivamente e deixando na boca e no espírito um gosto do temporário e da insatisfação. Lá está a arte de Louise Bourgeois, Andy Warhol, Andres Serrano, Coco Fusco e Nao Bustamante, Philip Taafee, Carolee Schneemann, Gerhard Richter, Charles Ray, Kiki Smith, Marcel Broodthaers, bem como os
  textos de Gregory Whitehall, Jean Claude Bonnet, Michael Taussig, Gaytari Spivak...Muito poucos portugueses: José Gil, Eduardo Batarda e Rui Sanches.

4.
Como não podia deixar de ser, Lusitania é um revista de gosto cosmopolita, dotada de uma estética e um grafismo avançado e inovador. Martim Avillez é Designer e Ilustrador, formado na excelente Cooper Union em Nova Iorque tendo sido professor de Ilustração na Parsons School of Design e colaborador durante muitos anos, entre outros, do New York Times e particularmente no Book Review, que permitia aos ilustradores uma maior liberdade. Criou e deu a criar através da Lusitania a vários outros colaboradores gráficos, artistas e/ou ilustradores, designers e fotógrafos, um produto mutante, aparentemente caótico mas na realidade sujeito a uma grande inteligência visual.

Cada número de Lusitânia é uma espécie de escola, repositório ou catálogo de brilhantes soluções gráficas, que gerações de paginadores têm observado e alguns copiado.

5.
O gosto pelo excesso gráfico, a intensidade e frequência da informação, a metamorfose de um numero para o outro e dentro de um mesmo volume devido a razões temáticas e contextuais, a descontinuidade como única forma possível de continuidade, a preocupação sucessiva (ou simultânea?), por exemplo pela guerra e as novas tecnologias, a mulher e a gastronomia,
  tudo isto faz de Lusitânia um monumento cultural pós-moderno e um flagrante exemplo do neobarroco português.


* * *


Filipe Rocha da Silva
Coordinator of ABOUT LUSITANIA
Évora, October 2008

Lusitania’s journals and books are an outstanding case study in Portuguese culture.

Founded by Martim Avillez in 1988, the most recent volume,
Beyond Form: Architecture and Art in the Space of Media, was published in 2004. The previous titles were “Lusitania: A Journal of Reflection & Oceanography” (1988), Melancholia (1988), Kultura / Control (1989), The Abject, America, For Za Sarajevo (1993), Vulva Morphia (1994), Being On Line, Net Subjectivity (1996), Taste, Nostalgia (1997), and The 23 (2001) Starting with The Abject, America Martim Avillez would invite guest editors for each volume such as Saul Ostrow, Allen S. Weiss, Alan Sondheim, Lillian Lennox, Ammiel Alcalay, and Catherine Liu.

Lusitania
, almost unknown in Portugal, is a remarkable combination of the following components mixed in a sort of miraculous cultural cocktail:

1.
Lusitania is a phenomenon of Portuguese Diaspora and emigration. Deeply Portuguese, it demonstrates a profound love–hate relationship towards the land of birth, evocative of Portuguese intellectuals who emigrated to the U.S. such as Jorge de Sena. Fernando Pessoa ("A Mensegem"), Alexandre O'Neil, and Eduardo Lorenço can also be discerned as cultural influences. “O Tempo e o Modo”, a publication first directed by António Alçada Batista in the 1960s and early 70s, might also have been influential in the formation of the concept of Lusitania.

The name is taken from the Cunard Line ship Lusitania that was torpedoed by a German submarine in 1915. The logo—a sinking ship—can be thought of as an allegory of the end of the Portuguese colonial empire
[1] (Martim Avillez was a soldier in the colonial war in the country that is now called Guinea–Bissau). While early issues were in Portuguese, they expanded to include languages such as French, Bosnian and Korean.

In one of the last volumes,
The 23, Martim Avillez emerges fully as an artist, illustrator and author in the field of comics, narrating the history of a group of Portuguese Jews who left Brazil in the 17th century in order to create the first Jewish community in New York.

2.
Lusitania also manifests a strong multiculturalism. Martim Avillez was part of the flow of life in New York and the constantly shifting forms and ideas that characterized the end of the century in that city.

While being principally an American publication, submerged in the topics that were of concern at the time, it also demonstrated a global outlook, reaching out to the four corners of the world, not hesitating to produce a volume on Sarajevo, and keeping a presence of French-based culture and philosophy in its pages.

3.
Lusitania also keeps track of the evolution of the arts in New York at the end of the 20th century. Letting our eyes travel across its pages and considering the names we encounter, we are made aware of the tumultuous times in which ideas and forms constantly collide with each other—always surprising us.

We can find the art of Louise Bourgeois, Andy Warhol, Andres Serrano, Coco Fusco and Nao Bustamante, Philip Taaffe, Carolee Schneemann, Gerhard Richter, Charles Ray, Kiki Smith, Marcel Broodthaers, texts of Gregory Whitehead, Michael Taussig, and interviews with people like Gayatri Spivak… Very few Portuguese: José Gil, Eduardo Batarda, Rui Sanches…

4.
First and foremost,
Lusitania is international, with advanced and revolutionary aesthetics. Martim Avillez is an artist and illustrator, educated at Cooper Union in New York. He taught at Parsons School of Design and was an illustrator for publications including The New York Times and Harper’s, both of which gave illustrators greater freedom. With Lusitania he inspired other artists, designers and photographers to create a multiform product, organized by a strong visual intelligence. Each volume of Lusitania can be viewed as a sort of school, a collection or catalogue of brilliant graphic solutions.

5.
The taste for graphic excess, the intensity of the information, the metamorphosis occurring volume to volume, and even within the same issue for contextual or thematic reasons, the discontinuity as the only possible form of continuity, the successive (or even simultaneous) obsession with war and new technologies, women and gastronomy, all this makes
Lusitania a Portuguese neo-baroque and post-modernist monument.

 




[1] Considering this idea in 2008 Martim thought that it might be “too recherché”.

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